Rumores - O disco perdido (1985)
Junto com esse primeiro disco da Legião, cujo carro-chefe – Será – explodiria nas rádios somente em março daquele mesmo ano, o resto do país passaria a conhecer o chamado Rock de Brasília. Um disco fundamental para isso foi Rumores, primeira produção independente dos anos 80 na capital federal, bancada pelo Sebo do Disco, loja de discos novos e usados, localizada no subsolo do Venâncio 2000, de propriedade do empresário Isnaldo Júnior. Apenas mil exemplares foram prensados na ocasião, o que torna o disco hoje um item de colecionador. Na praça, uma cópia em vinil não sai por menos de R$ 100.
O disco trazia o que havia de mais quente no rock candango fora do quadrilátero bastante conhecido Plebe Rude-Legião Urbana-Capital Inicial-Banda 69, que já haviam fechado contratos com as duas maiores gravadoras comerciais do país: EMI-Odeon e CBS. A Plebe lançaria neste mesmo ano o clássico O Concreto Já Rachou pela EMI, mesma gravadora da Legião e Paralamas, enquanto o Capital Inicial e a Banda 69 conseguiam participação no pau-de-sebo Os Intocáveis, LP produzido pela CBS.
Em Rumores estavam as novas sementes do rock brasiliense oitentista: Escola de Escândalos, Finis Africae, Elite Sofisticada e Detrito Federal. Gravado em Belo Horizonte, nos estúdios da Bemol, o disco tinha a direção de Fernandez, homem-palco das bandas Espaçonave Guerrilha e 5 Generais, além de agitador cultural responsável pelo Teatro Rolla Pedra, templo do bom rock brasiliense, localizado em Taguatinga. Cada banda apresenta duas canções na coletânea.
O projeto gráfico, simples, mas de extremo bom gosto, é assinado por Rosalvo Dantas, com foto de Reinaldo Freitas. A capa preta, com uma foto em perfil de um típico roqueiro brasiliense meio new-wave/meio punk em frente à uma parede de pastilhas comuns nos blocos residenciais do Plano Piloto, apostava: Rumores.
Quem se aventurou a conhecer os rumores que vinham do Planalto Central não se arrependeu. Pelo menos a crítica gostou. O lado A do bolachão abria com Complexos, do Escola de Escândalos, formada então por Bernardo Muller (voz), Marielle Loyola (voz), Geraldo Ribeiro (baixo), Luiz Eduardo “Fejão” (guitarras) e Eduardo “Balé” Espinoza (bateria).
A canção começa com uma guitarra esquizofrênica, enquanto baixo e bateria preparam a cama para o vocal de Marielle, que anuncia: “Passo horas seguidas, olhando minha imagem no espelho/ Vejo um defeito, como seria bom não tê-lo...” A Escola de Escândalos dava o seu recado, retratando a angústia adolescente e os medos da maturidade, no jogo de vocais divididos por Marielle e Bernardo, responsável pelas letras. Apesar da produção ralinha – as guitarras de Fejão foram gravadas direto na mesa, sem passar por amplificadores – o arranjo agrada e funciona de maneira sublime mesmo hoje.
A segunda faixa é Van Gogh, do Finis Africae, que abre com um superbaixo e uma bateria rufando. As guitarras buscam texturas sutis, influência clara do rock inglês. O vocalista Rodrigo Leitão, responsável pelas letras, mostra um registro de voz incomum, gritando desesperado: “O azul marinho compacto/ Invadido por nuvens ameaçadoras/ refletem um traço de angústia/ certamente alguma coisa...” Surpresa para quem esperava versos politizados.
Fuga, da Elite Sofisticada integrada por Luiz Gastão (vocal), Antônio “Tonho” Elias (guitarra), Marcelo Gomes (baixo) e Rogério Lopes (bateria), é a terceira canção do disco. A música é bem legal, com uma letra interessante: “Esse paraíso é só uma ilusão/ outra fuga apenas isso...” O som da Elite Sofisticada – nome que fazia uma troça humorada com a Plebe Rude – era mais simples, mas nem por isso menos instigante.
Desempregado, a quarta faixa do disco, mostra o punk rock cru do Detrito Federal, com vocais vomitados por Alex Podrão. A banda era integrada ainda por Mila (baixo), Paulo César Cascão (bateria) e João Bosco (guitarra). “Eu não pago água/ Eu não pago luz/ Eu não pago telefone/ Eu não pago gás”, berra Podrão, na divertida e ingênua letra de Rato Bond, Marcão Adrenalina e Renato Estrela. O resultado deixou a desejar, já que o som ficou excessivamente clean, mas merece destaque o final mongolóide em que Podrão repete: “Nada... nada... nada...” Uma irônica homenagem à Blitz carioca, do sucesso fácil Você não soube me amar.
O lado B do disco abre com o Finis Africae mandando bem em Ética, a melhor música do disco ao lado de Luzes, do Escola de Escândalos, que vem em seguida. A primeira trata de um tema não óbvio – pelo menos na época – a ética, com uma letra bem construída: “A vela apagou, a lâmpada queimou, o gás acabou/ Não vejo mais nada/ Deve ser a Idade Média, é a Idade da Pedra/ É a idade da razão e da ética”.
Luzes, que trata dos temores adolescentes da iniciação sexual, começa com a bateria de Balé marcando forte a caixa, abrindo caminho para o riff de Fejão, que se tornou um clássico. “Luzes que piscam/ Gritam e avisam/ Que chegou a hora que você sonhou/ São anos de espera/ Que chegam ao fim/ Um frio desce a espinha/ Apesar do calor”, canta Bernardo Muller. A música foi resgatada com dignidade pela Plebe Rude no disco ao vivo Enquanto A Trégua Não Vem. O som continua atual e não deixa nada a dever para nenhuma banda. É um clássico que continuará eterno.
Detrito comparece ainda com Fim de Semana, a penúltima música (?!?) do disco. A letra é hilária: “Fim de semana amaldiçoado/ Fim de semana sem nenhum trocado”. Elite Sofisticada fecha o LP com Sozinho, rock básico com ecos do punk. A letra é bem fraquinha, mas a performance deixa um sabor de quero mais no ar.
Com apenas 25 minutos e 50 segundos, o disco ajudou a expor a cena musical brasiliense, desviando ainda mais a atenção da mídia para fora do eixo Rio-São Paulo. O jornalista Alex Antunes – dublê de crítico e popstar – saudou Rumores como “a primeira coletânea honesta dos últimos tempos”. Em resenha feita para a revista Bizz, de novembro de 85, Antunes chama a atenção para pelo menos “duas bandas interessantes”: Escola e Finis Africae. Na primeira, o destaque é “para o guitarrista heavy metal Fejão temperando o som wave e o correto vocalista Bernardo”, ressalta. Segundo o crítico, o Finis é um caso à parte – “produz um som denso, com belas composições”.
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