radicaos
memórias em quatro acordes

Escola de Escândalo

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Uma das grandes bandas do rock brasileiro na década de 80 jamais alcançou o sucesso merecido, numa daquelas grandes injustiças da história, ninguém sabe se por ironia ou por uma afronta do destino. A Escola de Escândalo, formada em 1983, é uma das grandes referências brasilienses no cenário do rock brasileiro, embora jamais tenha alcançado a projeção que suas bandas-irmãs tiveram - Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude.

O grupo, cuja "formação clássica" era Bernardo Müller (voz), Geraldo "Geruza" Ribeiro (baixo), Luiz "Fejão" Eduardo (guitarra) e Eduardo "Balé" Raggi (bateria), foi um dos pioneiros na cena oitentista, fazendo um crossover maravilhoso entre o heavy metal e o punk - se é que isso existe. A banda nunca gostou de rótulos e se destacava pela brilhante cozinha de Geruza e Balé, a guitarra fenomenal de Fejão e a elegância da voz de Bernardo, que também era o responsável pelas letras da banda, outro ponto forte da Escola.

Passaram pela banda outros músicos locais, como Marielle Loyola, que dividia os vocais com Bernardo e, posteriormente, integrou outras duas importantes bandas brasilienses - Arte no Escuro e Volkana. Outros dois bateristas também fizeram parte da Escola, antes de Balé assumir as baquetas: Alessandro e Manuel Antônio Fragoso, o Totoni, que hoje trabalha como ator no Rio de Janeiro.

Antes de formarem o grupo, Bernardo e Geruza integravam, ao lado de Alessandro (bateria) e Jeová Stemller (guitarra) o grupo XXX, que liderou o movimento punk brasiliense ao lado da Plebe Rude no início dos anos 80 e realizou - junto com Legião Urbana, Capital Inicial, Banda 69 e a própria Plebe - a série de shows antológicos na Temporada do Teatro da ABO, em abril de 1983.

Da banda XXX, que tinha o som mais pesado entre os seus grupos contemporâneos e que mais se aproximava ao punk feito em São Paulo e no Rio, a Escola de Escândalo herdou grande parte do seu repertório inicial, como Caneta Esferográfica e Menino Prodígio. A antiga banda de Bernardo e Geruza resolveu encerrar suas atividades quando o guitarrista Jeová saiu, devido à transferência do pai diplomata, que deixou o Brasil para assumir o posto em outro país. Antes disso, o grupo conseguiu participar de um programa na televisão local, chamado Brasília Urgente.

Bernardo ainda atuou no lendário filme Ascensão e Queda de Quatro Rudes Plebeus, dirigido por Gutje Woorthman, baterista da Plebe Rude, e que ganhou o prêmio de um Festival de Cinema Super 8 de Brasília. Neste média metragem de aproximadamente 40 minutos, o jovem Bernardo, irmão de André X, da Plebe, protagonizava o vilão que roubava os plebeus no final do filme, que tinha a narração de Renato Russo. O líder da Legião Urbana também trabalhou como "ator" fazendo o papel de empresário inescrupuloso da Plebe.

Foi durante as apresentações no Teatro da ABO que Bernardo e Geruza conheceram Fejão, um guitarrista muito conceituado em Brasília e que tocava na banda Nirvana, liderada por Tadeu, futuro vocalista do grupo Beta Pictoris. Juntos, os três - mais o baterista Alessandro - começaram a ensaiar, trabalhando numa alquimia que refletia os gostos musicais de cada, algo que parecia impossível de ser tentado. As influências eram díspares: Van Halen, Led Zeppelin, Metallica, Echo and The Bunnymen, The Beat, Police, Talking Heads e Xtc, além de bandas de ska.

Naquele mesmo ano, o grupo saiu de Brasília para fazer suas primeiras apresentações no Rio de Janeiro, que há pouco tempo já tinha descoberto o rock brasiliense, pelas mãos de Herbert Vianna e Os Paralamas do Sucesso. A Escola fez o circuito das danceterias e casas de rock - Circo Voador, Noites Cariocas, Parque Lage, Mamão com Açúcar. Ali, trataram logo de encaminhar demos para as rádios Fluminense e Estácio, mostrando Luzes, que depois veio a constar do disco Rumores, lançado pelo Sebo do Disco em 1985. A música passou a liderar a parada de sucessos da maldita Flu durante um bom tempo.

Logo depois, o grupo entrou no pau-de-sebo Rumores, uma produção independente lançado pelo Sebo do Disco, ao lado das bandas Finis Africae, Detrito Federal e Elite Sofisticada. As duas músicas apresentadas neste disco da Escola eram Complexos e Luzes, que tiveram boa execução em Brasília e em algumas rádios do Rio. O disco foi gravado no estúdio Bemol, em Belo Horizonte, e hoje é peça de colecionador. A vocalista Mariele deixa o grupo em 1986. O sucesso Luzes foi relembrado pela Plebe Rude e consta do disco ao vivo lançado pela banda em 2000.

O namoro com uma gravadora não demorou e pelo menos duas ofereceram assinatura de contrato e a gravação de um disco. A banda, prontamente, recusou. Os quatro optaram por aguardar um momento mais oportuno para gravar seu disco.

Os amigos da Plebe e da Legião, juntamente com Herbert Vianna, pressionam a EMI-Odeon para um contrato com a Escola. A gravadora se dispõe a colocar os quatro no Estúdio 1 e Philippe Seabra produz as gravações para o disco, que seria lançado no formato de Mini-LP, tal qual a Plebe e a paulistana Zero haviam feito. As cinco canções registradas você ouve aqui - no que é chamado o "disco perdido" do Escola. São as canções: Atrás das Palavras, Deuses e Demônios, O Grande Vazio, Pérolas Sem Valor e Só Mais Uma Canção. Infelizmente, o disco acabou não rolando.

Pouco tempo depois disso, a banda encerrou suas atividades, para desespero dos fãs e falta de percepção das gravadoras, que ajudaram a acabar com um dos mais dignos e inteligentes grupos de rock de todos os tempos. Bernardo Müller, que virou economista, é hoje professor da Universidade de Brasília. Geruza tornou-se produtor de estúdio, tendo trabalhado durante muitos anos no famoso Artimanha, de propriedade do guitarrista Toninho Maia. Balé fez as malas, partiu para os Estados Unidos, onde trabalhou em artes gráficas e voltou para Brasília, onde montou a banda Resistores.

Já o guitarrista Fejão abraçou novo trabalho, mais calcado no heavy metal - com elementos do pós-punk -, liderando a banda Dungeon, que chegou a lançar um disco pelo selo Rock It!. Morreu em 1995, em Brasília, sem ver a obra do Escola reconhecida no mercado fonográfico.

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Tellah - Os fundamentos do progressivo

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Qualquer roqueiro que viveu em Brasília em 1980 e fosse um pouco ligado à cena musical da cidade se surpreendeu com o lançamento naquele ano do álbum Continente Perdido, da banda de rock Tellah. O álbum – hoje uma raridade disputada a tapa em sebos de disco – jamais fez o sucesso que merecia, de acordo com parte da crítica especializada. Sequer foi notado pelo então incipiente mercado fonográfico de rock brasileiro, embora tenha sido relançado em CD já no início dos anos 90 e ganho o reconhecimento entre roqueiros da Europa e do Japão.

Um feito e tanto para uma banda que encerrou suas atividades justamente quando acabara de lançar o disco em 1980. Três meses depois de Continente Perdido chegar às lojas da cidade e ocupar espaço nas rádios locais, o grupo resolveu pendurar os instrumentos. A verdade é que a própria banda não tinha maiores pretensões quando lançou o LP. Isso pode ser percebido pela prensagem do disco: precárias 1.000 cópias. A baixa tiragem, considerada irrisória hoje mesmo para uma banda de garagem, foi o bastante para manter vivo o mito em torno da banda.

O lendário grupo surgiu na cidade em 1974 e, ironicamente, jamais teve a chance de experimentar o gosto do sucesso quando o rock de Brasília ganhou fama no eixo Rio-São Paulo, em meados da década de 80. É bem verdade que o estilo diferia muito do que estava sendo feito na mesma época pela Turma da Colina, que optara por uma postura mais punk e rocks mais nervosos. Grupos como Aborto Elétrico, Blitx 64 e Metralhaz – antecessores da Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude – estavam começando a detonar suas guitarras toscas e letras de forte temática, que levariam seus integrantes ao auge do sucesso cinco anos depois, mas estavam anos-luz de distância dos músicos do Tellah.

Herdeira da vertente mais podicrê do rock brasileiro nos anos 70 – quando estavam no auge do "sucesso" (?!) as viajandonas O Terço, Vímana, Som Imaginário e Os Mutantes na fase pós-Arnaldo/Rita e tendo Sérgio Dias como band leader – a banda Tellah tinha grandes instrumentistas – Dênis Torre (bateria), Cláudio Felício (guitarra) e Marcone Barros (baixo) – e muitos admiradores confessos, como Renato Russo. "Eu pentelhava os caras, após suas apresentações", recordou o líder da Legião Urbana, quando já estava sentado sobre a própria fama e mais milhões de discos vendidos.

"Quando a gente se apresentava, o pessoal que depois foi da Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial era todo garoto", recordou o próprio Dênis Torre, na última entrevista concedida em 1992. "Acho que foi a primeira vez que vi um show de rock", relembra Philippe Seabra, guitarrista da Plebe Rude. "Tinha até o disco, que tinha uma entrada bem progressiva: tchan-tchanananan-tum- tum-dum-dum".

No show de lançamento do disco Continente Perdido, no final de 1980, em frente ao Cine Karim e à lanchonete Food’s – o mesmo point utilizado pela Blitx, Metralhaz e Aborto para propagar seus acordes nervosos na época – a moçada compareceu em massa, inclusive alguns personagens que viriam a integrar a nata da nova música brasileira pouco tempo depois. "Quem sabe não tenhamos motivado alguns deles?", declarou Dênis, anos depois.

A primeira formação do Tellah, em 1974, reunia Cláudio Felício, José Veríssimo (baixo) e Felipe Guedes (bateria), apontando o caminho que seria trilhado no primeiro e único disco da banda. Foi com essa formação que o Tellah chegou a montar uma peça de teatro, em 1977, chamada "O Cavalo de Guerra", em que também fizeram a trilha sonora. O trabalho ainda não era marcadamente progressivo, mas uma mistura de hard rock ao estilo do Deep Purple. Somente com a entrada de Marcone Barros, já em 1978, a banda evolui para o estilo que lhe renderia fama, com influências claras de grupos ingleses como Genesis e Yes, e o canadense Rush.

Em torno de 1979, o Tellah saiu em excursão pelo país, tocando com diversas bandas famosas no circuito roqueiro daqueles tempos. Foi nessa excursão que os três músicos puderam exibir para o resto do país o seu repertório, numa excursão em que compartilhavam do mesmo palco que bandas como O Bixo da Seda, O Terço, Mutantes, Rita Lee e Joelho de Porco. Nos dois anos seguintes, o Tellah se apresentaria consecutivamente no Festival Interno do Colégio Objetivo (Fico). Logo depois, trabalhariam nas bases daquele que seria o primeiro e derradeiro disco da banda.

Continente Perdido foi gravado entre abril e agosto de 1980, nos estúdios Cruzeiro do Sul, de oito canais, em São Paulo. A maior parte das músicas registradas no primeiro álbum era de autoria de Felício, Dênis e Marcone, embora as que chegaram a ser executadas nas rádios locais fossem canções de alguns amigos famosos: as baladas Tributo ao Sorriso, de Sérgio Hinds (Terço), e É melhor voar, de Jorge Amiden e Zé Rodrix (Sá, Guarabyra & Rodrix e, depois, Joelho de Porco).

Em 1984, o grupo se reuniu para uma única apresentação, realizada a convite de um shopping de Brasília, onde executaram todo o repertório do disco e incluíram algumas surpresas, como Caçador de Mim, de Sérgio Magrão, do grupo mineiro 14 Bis; e Visitante, de Jorge Amiden. As duas canções foram relançadas em CD.

Na época em que a banda encerrou suas atividades, nenhum dos três poderia imaginar que o álbum chegaria a ter vida própria ao longo da década de 90, sendo comercializado no mercado internacional por US$ 100 – UAUUU!!!

O responsável pelo relançamento em CD daquela que é hoje considerada uma obra-prima do progressivo brasileiro, e não deixa nada a deseja a de muitas bandas internacionais famosas, foi o empresário Márcio de Melo. Dono de uma loja especializada em rock progressivo em São Paulo, a Progressive Rock Worldwide, Melo teve acesso ao original em vinil quando fazia intercâmbio de outras raridades do gênero com aficcionados.

Entusiasmado com a (re)descoberta do disco, ainda em 1992 o empresário – também produtor – tentou motivar Dênis, Marco e Felício a retomar a banda e a lenda em torno da banda, sugerindo inclusive uma agenda de shows no exterior. A boa vontade, entretanto, esbarrou nos próprios integrantes. "Não há a menor possibilidade disso acontecer", descartou Dênis, que ainda trabalha com música, mas fora das luzes dos palcos.

Ele hoje é empresário em Brasília, trabalhando com a montagem de palco e fornecimento de equipamento profissional para a realização de shows. Foi sua empresa – a Intrumental Produções Musicais – que montou, por exemplo, o som para o histórico show da Legião Urbana no Estádio Mané Garrincha, na fatídica noite de 11 de julho de 1988. O sócio de Dênis na empresa é o baixista Marcone, que também largou definitivamente o instrumento.

Já o guitarrista Cláudio Felício, que até o início dos anos 90 ainda mantinha outra banda na ativa, a Beta Pictoris, também leva hoje uma vida longe dos palcos. Ele é fazendeiro em Formosa, município de Goiás distante cerca de 100 quilômetros de Brasília, mas volta e meia apresenta-se ao lado de amigos músicos da cidade, dando canjas na noite apenas por prazer.

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Paralamas e o rock de Brasília

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Nos anos 80, um trio carioca mudou os rumos da cena musical brasileira. A receita: polaróides urbanas, pop com pitadas de reggae e ska, uma cozinha poderosa e um bandleader antenado. Pois é. Os Paralamas do Sucesso têm aquele algo mágico e carismático. São fundamentais na história da música brasileira. Mas, claro, também do rock brasiliense.

Herbert Vianna é o midas que acreditou, em primeiro plano, na cena musical de Brasília. E contribuiu para o boom do rock candango. Sem ele, dificilmente o Brasil teria conhecimento das bandas da cidade na década de 80 que elevaram a cidade à condição de Capital do Rock. Sem ele, ninguém saberia de quem eram clássicos como Veraneio Vascaína, Ainda é Cedo e Química.
As pérolas de Renato Russo foram cantadas pioneiramente por Herbert Vianna ainda em 1982, quando nem ele nem Russo sonhavam em construir a história do pop nacional.

Quando deixou Brasília, por volta de 1977, nem sonhava que dentro de cinco anos estaria pilotando um dos mais sólidos grupos de rock brasileiro. Os Paralamas nasceram em 1981, no Rio de Janeiro, de uma vontade louca de Herbert Vianna e Bi Ribeiro fazerem um som como alguns amigos de Brasília já estavam aprontando.

Ambos eram muito próximos havia anos. Bi, filho de diplomata, e Herbert, de militar, eram produtos genuínos da Brasília dos anos 70. Andavam juntos pelas superquadras da Asa Sul como todo moleque crescido entre os pilotis dos blocos brasilienses. Aquela mistura curiosa de tédio e tesão, comuns a uma geração inteira que não tinha muito o que fazer na cidade e que rendeu alguns clássicos do rock brasileiro.

Nessa época, alguns amigos também circulavam na turma – Dinho Ouro Preto e Dado Villa Lobos. “O Renato Russo a gente conhecia meio de vista, um amigo em comum falava sobre ele, que era um cara muito estranho, que não saía de casa”, disse Herbert ao jornalista Antonio Carlos Miguel, há exatamente há 18 anos.

Foi Herbert quem mostrou a Renato a primeira guitarra elétrica. “Fui lá na casa dele, mostrar uma Fender que eu tinha ganho do meu pai”, comentou. Uma guitarra preta. Herbert tinha 15 anos. O pai, Hermano, havia trazido a Fender de uma viagem aos Estados Unidos. Para quem não sabe, nesta época, a paixão pela guitarra só tinha paralelo ao amor pelo skate. Herbert foi campeão de free style.

A saída de Brasília mudou radicalmente a vida de Herbert. Acostumado do paradoxal provincianismo da cidade, o paralama-mor chegou ao Rio em 1977 e ralou muito para se acostumar à vida na velha capital. “Estava começando a tocar guitarra, ficava em casa o dia inteiro”, conta. “Em 1978, o Bi veio e aí começou realmente a tocar”. Segundo o baixista, o som não tinha nada de punk. “Tocávamos Hendrix, Clapton, Santana... Tudo sem bateria. Na casa da minha avó. Só baixo e guitarra e um amplificador”, rememora Bi.

A entrada de João Barone ocorreu em 1982, substituindo Vital – o famoso personagem da clássica Vital e Sua Moto. A banda se reunia muito na casa da avó de Bi (Vovó Ondina) para ensaios cada vez mais elétricos e interessantes.

Nessa época algumas das boas canções do grupo começaram a ganhar forma. É o caso de Vital, Patrulha Noturna e Encruzilhada, ainda chamada Encruzilhada Agroindustrial. E outras obscuras que se perderam, sem que ganhassem um registro oficial, como Solidariedade, Não!, Verão, Rodei de Novo e Mandinga de Amor.

A paixão pela guitarra, além do esmero e do esforço com que Herbert se entregava ao instrumento, sempre lhe rendeu elogios. “Ele tira qualquer música na guitarra. Até os solos mais complicados de Jimi Hendrix”, elogiou Renato Russo. “Perto dele, a gente (da Legião) não sabe tocar nada”, confessou.

Em 1982, a banda entregava uma primeira fita demo ao fotógrafo e programador de rádio Maurício Valladares. Vital e Sua Moto subiu direto para o top 10 da Rádio Fluminense, cuja existência na década de 80 foi fundamental para a consolidação do rock brasileiro. A banda tornou-se conhecida de todos no Rio. A música, que hoje soa até ingênua, foi a mais tocada pela Flu no verão de 1983.

Enquanto isso, na sala de Justiça...

Ou melhor, na capital, a moçada já estava mandando ver. A Plebe Rude era a banda mais importante da cena local, depois do desaparecimento do Aborto Elétrico. A Legião Urbana ainda estava montando seu território, junto com o Capital Inicial. O triunvirato do rock brasiliense se antenou para o que veio do Rio.

Em maio de 1983, os Paralamas gravam o single com Vital e Patrulha Noturna. Os amigos de Brasília não acreditavam. “Pô, se eles podem porque nós não podemos?”, questionava-se, incrédulo, Dinho Ouro Preto. “Se nós, que somos uns merdas gravamos...”, emendou Bi, entre risos, durante a gravação de um documentário produzido pela Conspiração Filmes, filmado, entre outras locações, na velha Brasília.

Herbert, Bi e Barone já tinham incorporado ao repertório dos Paralamas algumas canções de Russo das quais gostavam muito: Ainda é Cedo, Química e Veraneio Vascaína. O guitarrista fazia questão de falar sempre da cena brasiliense, chamando a atenção de jornalistas do eixo Rio-São Paulo para o que rolava na cidade.

Em junho de 1983, Hermano, irmão de Herbert, escreve uma reportagem sobre o rock brasiliense na extinta revista Mixtura Moderna, editada por Ana Maria Bahiana e José Emílio Rondeau, primeiro produtor da Legião. “Até a época da gente vir para o Rio, as bandas de Brasília eram imitações do rock brasileiro dos anos 70, do final do Terço, dos Mutantes... Uma coisa sem tesão. Com o pessoal ligado aos punks a cena passou a ser superestimulante. A gente começou a tocar muito em função disso também”, disse Herbert.

Em uma conversa comigo, durante as gravações do último disco da Plebe Rude - Enquanto a Trégua Não Vem -, o guitarrista dos Paralamas recordou-se de algumas das bandas que fizeram os anos 70 candangos menos irritantes, ainda mais em função dos ditadores de plantão. “Tinha muita banda legal, mas a maioria era aquela coisa viajandona”, comentou. “Tinha aqueles shows na Escola Parque sempre lotados”.

Ainda em 1983, no segundo semestre, os Paralamas tocam no Rockway 2 - um festival organizado pela produtora brasiliense Artway no Ginásio de Esportes. Nunca tinham vindo à cidade para tocar, mesmo depois que haviam gravado o single. O show foi bem recebido pelo público, mas de maneira curiosa. Como o festival era por demais eclético, ninguém sabia bem o que aqueles três estavam fazendo. O disco ainda não havia saído. É verdade que boa parte do público estava muito mais interessado em ver o Roupa Nova e a Cor do Som. Também haviam alguns metaleiros que foram curtir Robertinho do Recife. Detalhe: uma estreante Cássia Eller também se apresentou nesse festival, acompanhando como vocalista o grupo Malas & Bagagens.

Apesar da aparente indulgência do público, Herbert, Bi & Barone, não estavam nem aí. “Porra, viemos tocar em Brasília”, disse Herbert, ainda no Hotel Carlton, no centro de Brasília. No palco, entre fios e cabos, Dado Villa Lobos circulava como roadie. Durante a tarde do dia do show, num sábado de setembro, Bi e João foram para a casa de Renato Russo, saber o que o líder da Legião estava aprontando. São recebidos, junto com Fê Lemos e a namorada, Pedro Ribeiro - irmão de Bi, hoje produtor dos Paralamas - além de alguns outros poucos amigos.

Renato vibrou com os relatos de Bi sobre as gravações do primeiro disco. “Muito bom... Muito bom...”, repetia o vocalista da Legião. No disco, há uma parceria de Renato com Herbert e Barone: a singela balada O que eu não disse, que conta com a guitarra de Lulu Santos. E outro registro de um clássico do Aborto Elétrico: Química. Bi: “Ficou muito legal, Renato. Você vai gostar”. Renato vibrava, em meio aos discos distribuídos no quarto.

Alguns meses antes, Herbert tinha vindo a Brasília e chegou a assistir a um dos ensaios da Plebe, que dividia uma sala no Brasília Rádio Center junto com o Capital, o XXX e a Legião. Philippe Seabra, vocalista e guitarrista da Plebe, recorda-se de um pequeno incidente, que quase lhe rende problemas com o futuro padrinho e produtor. “O cara chegou com um bermudão, de óculos... Ficou no canto da sala, tirando uns solos de Eric Clapton. ‘Que porra é essa?’, eu pensei. A gente nem chegou a se falar, eu acho”, relembra. “Na semana seguinte, eu fui ligar o meu pedal flanger, modelo MXR, que ligava numa tomada e era 110 volts, só que aqui em Brasília a voltagem é 220 volts. E o pedal não funcionou. Eu pensei: ‘Pô, alguém queimou o meu pedal. Merda. Tem três pessoas que usaram a sala de ensaio’. Perguntei: ‘Quem foi?’ O Ico (Ouro Preto, ex-guitarrista das bandas Aborto Elétrico e Legião Urbana)’ falou que tinha sido o Herbert. Eu fiquei puto”.

Segundo Philippe, a história lhe trouxe problemas alguns meses depois. “Quando a Plebe foi ao Rio para tocar pela primeira vez, eu já tinha dito ‘fala praquele cara que ele queimou meu pedal’. Descemos para fazer o show com Plebe, Legião e Paralamas. Show antológico no Circo Voador. Quando chegamos lá no Circo para fazer a passagem de som, o Herbert, que é um cara meio largo, chegou para mim: ‘Que papo é esse de dizer por aí que eu queimei o seu pedal? Que papo é esse?’ Eu falei: ‘Não, não. Foi o Ico, foi o Ico’ (risos). E o Herbert: ‘Tá bem, tá bem...’ A gente passou o som, tocamos A Minha Renda. Na famosa passagem ("Já sei o que fazer para ganhar muita grana, vou mudar meu nome para Herbert Vianna"), o Herbert abriu um sorrisão e viu que o pessoal de Brasília tinha caráter... Ficamos amigos. Depois, ele acabou sendo nosso padrinho na EMI e, bem, o resto é história”.

Em janeiro de 1984, os Paralamas subiaram no palco do Rock in Rio, o primeiro festival de porte a acontecer no Brasil. Estrelas internacionais, como Queen, Nina Hagen e outros, chegaram ao país para tocar a uma platéia sedenta. Os Paralamas foram ovacionados. Muitos ensaios renderam ao trio a segurança necessária para tocar para uma platéia repleta de milhares de roqueiros enlouquecidos. O trio não só deu conta do recado, como encantou o Brasil. O segundo disco – O Passo do Lui - já havia saído. Óculos, o primeiro grande hit do grupo, estava estouradaça. “Mais do que a letra, a música era a época”, relatou Herbert, em 1991. Dali para a frente, o céu – e o mercado latino – eram o limite. “O Rock in Rio Foi a nossa consagração”, comentou Herbert, em entrevista concedida em 1994.

Em 1986, enquanto o país assistia indignado à degradação que havia chegado ao país com o mal-fadado Plano Cruzado, os Paralamas lançam Selvagem?, disco que tinha na capa o velho chapa Pedro Ribeiro e que trazia uma espécie de radiografia sócio-política do Brasil. O governo Sarney patinava, o Cruzado fazia água e ninguém sabia para onde a nação seguia. Herbert parecia seguro, ao cantar: "Alagados, Trenchtown/ Favela da Maré/ A esperança não vem..." O LP vendeu de 528 mil cópias. "Era o nosso recado", disse Herbert.

O resto é história.

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Obina Shok

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Se você achava que a música africana ganhou o Brasil de assalto na década de 80 por conta do disco Selvagem? dos Paralamas do Sucesso está completamente errado. A banda que fincou as raízes africanas no rock brasileiro foi o Obina Shok, grupo formado em 1985 em pleno Planalto Central, mas com os pés fincados na mãe África - é, o Chico César não tem primazia na expressão. O grupo fazia tudo aquilo que Bi, Herbert e Barone fariam no seu terceiro disco, inclusive aquelas guitarrinha sensual de Alagados. No caldeirão sonoro da banda cabia reggae, salsa, juju music, soca, funk e música popular brasileira.

A banda só poderia ter surgido em Brasília, já que trazia o senegalês Jean-Pierre Senghor (vocais e teclados) – neto do poeta libertador africano Leopold Senghor, homenageado por ninguém menos que Bob Dylan no disco Street Legal –, o gabanês Roger Kedy (guitarra e vocais), o surinamês Winston Gound (bateria) e os brasileiros Henrique Hermeto (guitarra), Sérgio Galvão (sax-alto), Maurício Lagos (baixo), Sérgio Couto e Hélio Franco (percussão). Os três gringos eram filhos de diplomatas terceiro-mundistas e estudavam na Universidade de Brasília (UnB), assim como os brasileiros. O nome da grupo, cuja origem estava no dialeto miene, do Gabão, significa "caminho da dança".

A banda ganhou de assalto o público e crítica carioca ao realizar apresentações no Rio de Janeiro já em 1986, quando se apresentaram no Parque Lage numa tarde de domingo de verão. O Obina levou a platéia formada por punks, mauricinhos, sambistas, góticos e quetais ao delírio com suas músicas cantadas em dialetos africanos, inglês e português, abrindo os olhos da crítica para "mais um grande grupo brasiliense". "É a coqueluche deste verão", afirmou o jornalista Luiz Carlos Maciel. Foi mesmo. A banda cresceu em prestígio de público e crítica, ganhando elogios rasgados de muita gente.

No segundo semestre de 1986, o grupo já estava lançando o disco Obina Shok, contando com a participação de Gal Costa, Gilberto Gil, Márcio Montarroyos, Paulinho Trumpete e o percussionista Repolho. O disco saiu pela RCA Victor com sete faixas, cantadas em inglês, francês e dialetos africanos. A faixa Vida, que tinha Gal Costa e Gil dividindo os vocais, ganha as rádios de norte a sul do país. A melhor música do disco, contudo, é Africaner Brother Bound, um libelo anti-racista.

O disco é bem recebido pela crítica, que elogia sem parar a banda e o trabalho musical do octeto, que ganha elogios pela sonoridade. "O disco é pura negritude", afirma a jornalista Mônica Maia, que faz côro ao resto da crítica: "O futuro do rock é a África".

A banda, no entanto, foi a primeira a colocar as coisas nos seus devidos lugares. "A música afro não pode ser encarada como tábua de salvação, mas como uma saudável ampliação das linhas de pesquisa do rock", diz o alquimista Roger. O segredo do disco é simplicidade, ensina. "É um trabalho que dá menos trabalho, pois não é preciso mixar, fazer distorções", explica. "É um som de palco, limpo e simples e quanto mais simples um trabalho, mais bonito e criativo". Ele lembra que todas as bandas de Brasília só fizeram sucesso por que o trabalho era demasiadamente simples.

Em 1987 alguns integrantes deixam a banda, que continua sendo liderada por Roger e Jean-Pierre. Preta Gil ingressa no grupo, que ganha o aval definitivo do pai da moça, ninguém menos que Gilberto Gil. As raízes africanas continuam sendo seguidas, mas o som acaba um pouco mais diluído. No ano seguinte, o grupo lança um segundo disco mas, logo depois, encerra suas atividades.

De todos os integrantes da banda, apenas dois continuam na ativa: Jean-Pierre e Helio Franco. O primeiro é tecladista do Cidade Negra, tendo passado pela banda de Marisa Monte. Hélinho Franco atuou como percussionista e líder do grupo brasiliense Tijolada Reggae.

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Arte no Escuro

O sucesso de Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial no cenário do rock brasileiro, em meados dos anos 80, levou o rock candango a exportar bandas de maneira rápida. Um dos grupos que se celebrizou nesse período foi o Arte no Escuro.

Herdeiro da tradição gótica de bandas inglesas como Bauhaus e The Cure, o grupo formado em abril de 1985 por Luiz Antônio Alves, o Lui (vocal), Pedro Hyena (baixo - ex-Sociais), Adriano Lívio (guitarra) e Paulo Coelho (bateria), agradava pelo sua estética e clima sombrio. Lui ficou mais famoso pela sua estampa na capa do segundo disco dos Paralamas do Sucesso: O Passo do Lui.

A estréia da banda em palcos brasilienses ocorreu em um cenário conhecido no circuito da Turma da Colina: Departamento de Arquitetura da UnB, cenário de festas e shows de várias bandas da cidade - Capital Inicial e Plebe Rude, inclusive. A apresentação ficou marcada por uma performance digna dos happenings de grupos ingleses: enquanto cantava Beije-me Cowboy, Lui joga sobre si um balde de tinta preta. Surpresa e frisson na platéia. No dia seguinte, os comentários nas rodinhas da capital era da estréia de fogo da banda.

Infelizmente, logo depois desse show, Lui abandona a banda e deixa Brasília. Parte para o Rio, onde continuaria seu trabalho como artista plástico. Segundo Pedro, a banda engataria nessa segunda fase. O vocalista foi substituído por Marielle Loyola (vocais – ex-Escola de Escândalos e, depois, Volkana), em fevereiro de 1986. Em seguida, o grupo - que dividia uma sala de ensaios com o Finis Africae - grava sua primeira demo.

O som cheio de climas, vocais sussurrados, baixos melódicos e guitarras intimistas levou a banda rapidamente a despertar interesse das gravadoras, ávidas por encontrar novas "Legiões Urbanas". As letras também carregavam em sutilezas, repleta de metáforas e fugindo do lugar-comum dos rocks de protesto. "Nada é verdade absoluta, cada pessoa entende uma coisa", declarou Pedro Hyena, autor da maioria das letras.

O som chegou a ser rotulado de dark, um neologismo bobo em voga nas grandes cidades, naquela época. "Isso é só modismo", atacou Pedro. A fita demo, àquela altura, já tocava diariamente na programação da Rádio Fluminense, no Rio, responsável pelo boom de muitas das bandas de Brasília - dos Paralamas até a Escola de Escândalos. Na seqüência, em 1987, o Arte no Escuro grava um disco pela EMI, lançado no ano seguinte, cujo maior sucesso foi Beije-me Cowboy e As Rosas, com produção de Gutje Woortmann, da Plebe Rude.

Segundo Pedro, foram vendidas pouco mais de 3,5 mil cópias. O LP hoje é tratado como raridade, sendo disputado em sebos do disco pelo país. A baixa vendagem e o clima de aperto geral na economia levam a EMI a descartar a banda, em 1988. "Com o sucesso de vendas alcançado pelas bandas de Brasília nos anos 80, chegamos a receber ofertas para retornar ao estúdio e para apresentações, ofertas que a banda descartou com dignidade", disse Pedro.

Dois anos depois, a banda se dissolveria, com Marielle integrando no início dos anos 90 a banda de trash metal Volkana, formada só por mulheres, ao lado de Mila (ex-Detrito Federal). Radicada atualmente em Curitiba, Marielle está cantando na banda Cores D Flores.

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Legião Urbana: O petróleo do futuro

domingo, 9 de setembro de 2007

Em janeiro de 1985, chegava às lojas de todo o país o disco Legião Urbana. Os acordes de Será começariam a tocar, ainda que timidamente, nas rádios brasileiras só dali a alguns meses. Ainda naquele mesmo mês, o país assistiria à primeira superprodução de rock em terras tupiniquins, com artistas internacionais desembarcando nos palcos do Rock in Rio. Janeiro seria marcado também pela vitória de Tancredo Neves, candidato do PMDB à Presidência da República, no colégio eleitoral, impondo uma derrota ao candidato da ditadura, Paulo Maluf, no dia 15 de janeiro.

Ninguém poderia imaginar que naquele mês nascia, nos estertores da ditadura militar e no renascimento da democracia brasileira, uma face do país até então desconhecida para a opinião pública: a juventude brasileira pós-64 pensava! E tinha voz própria.

Gravado entre outubro e dezembro de 1984, o disco chegaria às lojas com o início do processo de redemocratização do Brasil e o nascimento da Nova República. "A gente tem esperança que as coisas vão melhorar. É daqui de Brasília que vai surgir a garotada nova, com idéias novas, não só na música, mas no campo das artes em geral", previa Renato Russo. "Para o futuro, planejamos muita música, muitos agitos, muito trabalho e tudo de bom".

Os jovens de Brasília – o fenômeno da arquitetura nacional planejada em 57, filha bastarda do gênio de Oscar Niemeyer e dos sonhos visionários e populistas de Juscelino Kubitschek – ousavam mostrar que eram capazes de produzir música com um discurso articulado. Pela poesia contundente, esboçavam o que queriam e deixavam claro que tinham uma posição. “Depois de vinte anos na escola / Não é difícil aprender / Todas as manhas do seu jogo sujo / Não é assim que tem que ser / Vamos fazer nosso dever de casa / E aí então, vocês vão ver / Suas crianças derrubando reis / Fazer comédia no cinema com as suas leis”, cantava Renato em Geração Coca Cola. Nas demais canções do disco, os sentimentos apontavam rumos e indignações.

O disco trazia a urgência de uma moçada ansiosa, reflexiva e inquieta, que estava submetida a 20 anos de ditadura sem poder se expressar. Quem cresceu em Brasília nos anos 70 sabe que se a ditadura impunha sua vontade à força, era na capital da República que o braço do Exército era sentido quase que imediatamente. Em 1977, o Exército ocupou a Universidade de Brasília (UnB) por conta dos protestos estudantis. Ora, os militares não aceitavam que moleques abrissem as bocas para reclamar justamente no quintal do Palácio do Planalto. Daí porque a percepção política é tão presente na temática das bandas brasilienses da década de 80. As letras da Plebe Rude, da Legião Urbana e, pouco menos, do Capital Inicial, sempre continham uma insatisfação com o estado geral das coisas.

O primeiro disco da Legião reflete muito essa época. A poesia de Renato mirava os militares, como em Geração Coca Cola. Mas também os costumes sociais, como em A Dança, uma crítica à juventude burguesa brasiliense. Também havia a própria inquietude juvenil presente, como em O Reggae. Além de paixões, como Ainda É Cedo. E sexo, em Teorema.

Um romantismo e uma pureza juvenil, com muita veracidade e eloqüência, estão presentes em todas as faixas, que remetem à Brasília e sua juventude. As referências sonoras também são muitas e mostravam que a banda estava antenada com o que fora produzido na Inglaterra dos anos 70, como o punk dos Sex Pistols, mas também no que estava rolando naquela época na terra da rainha, com o pós-punk de Comsat Angels, U2 e Joy Division.

Anti-marketing

Quando a EMI lançou o disco Legião Urbana, com produção do jornalista José Emílio Rondeau, foi sem muito estardalhaço ou estratégia de marketing. Não se sabe a que propósito, o lançamento teria sido mesmo um tiro no pé, seguido os manuais de propaganda atuais. Afinal, o disco veio à luz bem no meio do Rock In Rio. E a banda, como se sabe, não estava naqueles palcos, que levaram à aclamação, contudo, de uma banda irmã da Legião: os Paralamas do Sucesso. O grupo carioca-brasiliense foi quem abriu as portas da gravadora para a Legião. Herbert, Bi e Barone tinham gravado dois anos antes duas músicas de Renato Russo no primeiro LP, Cinema Mudo, chamadas Química e O que eu não disse.

O fato de a banda ter apostado numa major para lançar seu primeiro álbum não desagradava Renato Russo. “É a única maneira de ver o seu produto bem divulgado, já que a produção independente, além de muito cara, atinge só a um público de elite", definiu, ainda na época, em uma entrevista concedida à jornalista Wilma Lopes, do Jornal de Brasília. "Há o lado negativo, mas este é contrabalançado pelas vantagens do lado positivo, que é bem maior. Com jeito, se faz muita coisa. Conseguimos fazer o disco como queríamos, desde a escolha da música até a capa e o encarte".

Ao longo daquele ano, as músicas da Legião foram ganhando as rádios uma a uma. O disco quase todo virou uma seleção de hits, que se sucediam nas rádios. Até hoje o CD está no catálogo da EMI e vende muito bem. Soma mais de um milhão o número de cópias vendidas em mais de duas décadas.

Muito mais do que um fenômeno musical no mercado fonográfico brasileiro durante esses últimos 20 anos, a música feita em Brasília no início dos anos 80 é o retrato perfeito de uma época em que valores éticos e morais eram incipientes e o grito de consciência emergiria naquele país ainda tão profundamente ansioso por construir seu futuro. Renato Russo era o rosto mais visível do que seria conhecido dali para frente como o Rock Brasília.

O disco Legião Urbana mudou o rock brasileiro e, mesmo esse tempo todo depois de ter sido lançado, ainda mantém frescor e jovialidade invejáveis. Estranho fenômeno musical, que chegou a surpreender a mídia e os cartolas do mercado fonográfico nacional, o rock feito em Brasília era diferente do resto feito no país. O disco é hoje um clássico e talvez seja uma das melhores estréias de uma banda brasileira de todos os tempos.

A Legião abriu as portas para o rock brasiliense, firmou-se como opção estética, rendeu frutos e filhotes nos anos 90 – Raimundos, Little Quail and The Mad Birds, Pravda e Maskavo Roots – e agora, vinte anos depois, com Prot(o), Beto Só, Phonopop e Bois de Gerião.

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Rumores - O disco perdido (1985)

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Em 1985, o Brasil comemorava o fim da ditadura militar e o surgimento de uma cena roqueira no país. Era uma época mágica, com um cheiro de novidade no ar. A Legião Urbana tinha lançado no início do ano o seu primeiro disco – o homônimo Legião Urbana – e o rock brazuca explodia no Rock In Rio, enquanto Tancredo Neves era eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. É, amiguinho, o mundo era outro. Também uma merda, mas era outro. Não existia o pensamento único, essa baboseira de neoliberalismo e mercado. Nem o muro de Berlim ainda havia sido derrubado.

Junto com esse primeiro disco da Legião, cujo carro-chefe – Será – explodiria nas rádios somente em março daquele mesmo ano, o resto do país passaria a conhecer o chamado Rock de Brasília. Um disco fundamental para isso foi Rumores, primeira produção independente dos anos 80 na capital federal, bancada pelo Sebo do Disco, loja de discos novos e usados, localizada no subsolo do Venâncio 2000, de propriedade do empresário Isnaldo Júnior. Apenas mil exemplares foram prensados na ocasião, o que torna o disco hoje um item de colecionador. Na praça, uma cópia em vinil não sai por menos de R$ 100.

O disco trazia o que havia de mais quente no rock candango fora do quadrilátero bastante conhecido Plebe Rude-Legião Urbana-Capital Inicial-Banda 69, que já haviam fechado contratos com as duas maiores gravadoras comerciais do país: EMI-Odeon e CBS. A Plebe lançaria neste mesmo ano o clássico O Concreto Já Rachou pela EMI, mesma gravadora da Legião e Paralamas, enquanto o Capital Inicial e a Banda 69 conseguiam participação no pau-de-sebo Os Intocáveis, LP produzido pela CBS.

Em Rumores estavam as novas sementes do rock brasiliense oitentista: Escola de Escândalos, Finis Africae, Elite Sofisticada e Detrito Federal. Gravado em Belo Horizonte, nos estúdios da Bemol, o disco tinha a direção de Fernandez, homem-palco das bandas Espaçonave Guerrilha e 5 Generais, além de agitador cultural responsável pelo Teatro Rolla Pedra, templo do bom rock brasiliense, localizado em Taguatinga. Cada banda apresenta duas canções na coletânea.

O projeto gráfico, simples, mas de extremo bom gosto, é assinado por Rosalvo Dantas, com foto de Reinaldo Freitas. A capa preta, com uma foto em perfil de um típico roqueiro brasiliense meio new-wave/meio punk em frente à uma parede de pastilhas comuns nos blocos residenciais do Plano Piloto, apostava: Rumores.

Quem se aventurou a conhecer os rumores que vinham do Planalto Central não se arrependeu. Pelo menos a crítica gostou. O lado A do bolachão abria com Complexos, do Escola de Escândalos, formada então por Bernardo Muller (voz), Marielle Loyola (voz), Geraldo Ribeiro (baixo), Luiz Eduardo “Fejão” (guitarras) e Eduardo “Balé” Espinoza (bateria).

A canção começa com uma guitarra esquizofrênica, enquanto baixo e bateria preparam a cama para o vocal de Marielle, que anuncia: “Passo horas seguidas, olhando minha imagem no espelho/ Vejo um defeito, como seria bom não tê-lo...” A Escola de Escândalos dava o seu recado, retratando a angústia adolescente e os medos da maturidade, no jogo de vocais divididos por Marielle e Bernardo, responsável pelas letras. Apesar da produção ralinha – as guitarras de Fejão foram gravadas direto na mesa, sem passar por amplificadores – o arranjo agrada e funciona de maneira sublime mesmo hoje.

A segunda faixa é Van Gogh, do Finis Africae, que abre com um superbaixo e uma bateria rufando. As guitarras buscam texturas sutis, influência clara do rock inglês. O vocalista Rodrigo Leitão, responsável pelas letras, mostra um registro de voz incomum, gritando desesperado: “O azul marinho compacto/ Invadido por nuvens ameaçadoras/ refletem um traço de angústia/ certamente alguma coisa...” Surpresa para quem esperava versos politizados.

Fuga, da Elite Sofisticada integrada por Luiz Gastão (vocal), Antônio “Tonho” Elias (guitarra), Marcelo Gomes (baixo) e Rogério Lopes (bateria), é a terceira canção do disco. A música é bem legal, com uma letra interessante: “Esse paraíso é só uma ilusão/ outra fuga apenas isso...” O som da Elite Sofisticada – nome que fazia uma troça humorada com a Plebe Rude – era mais simples, mas nem por isso menos instigante.

Desempregado, a quarta faixa do disco, mostra o punk rock cru do Detrito Federal, com vocais vomitados por Alex Podrão. A banda era integrada ainda por Mila (baixo), Paulo César Cascão (bateria) e João Bosco (guitarra). “Eu não pago água/ Eu não pago luz/ Eu não pago telefone/ Eu não pago gás”, berra Podrão, na divertida e ingênua letra de Rato Bond, Marcão Adrenalina e Renato Estrela. O resultado deixou a desejar, já que o som ficou excessivamente clean, mas merece destaque o final mongolóide em que Podrão repete: “Nada... nada... nada...” Uma irônica homenagem à Blitz carioca, do sucesso fácil Você não soube me amar.

O lado B do disco abre com o Finis Africae mandando bem em Ética, a melhor música do disco ao lado de Luzes, do Escola de Escândalos, que vem em seguida. A primeira trata de um tema não óbvio – pelo menos na época – a ética, com uma letra bem construída: “A vela apagou, a lâmpada queimou, o gás acabou/ Não vejo mais nada/ Deve ser a Idade Média, é a Idade da Pedra/ É a idade da razão e da ética”.

Luzes, que trata dos temores adolescentes da iniciação sexual, começa com a bateria de Balé marcando forte a caixa, abrindo caminho para o riff de Fejão, que se tornou um clássico. “Luzes que piscam/ Gritam e avisam/ Que chegou a hora que você sonhou/ São anos de espera/ Que chegam ao fim/ Um frio desce a espinha/ Apesar do calor”, canta Bernardo Muller. A música foi resgatada com dignidade pela Plebe Rude no disco ao vivo Enquanto A Trégua Não Vem. O som continua atual e não deixa nada a dever para nenhuma banda. É um clássico que continuará eterno.

Detrito comparece ainda com Fim de Semana, a penúltima música (?!?) do disco. A letra é hilária: “Fim de semana amaldiçoado/ Fim de semana sem nenhum trocado”. Elite Sofisticada fecha o LP com Sozinho, rock básico com ecos do punk. A letra é bem fraquinha, mas a performance deixa um sabor de quero mais no ar.

Com apenas 25 minutos e 50 segundos, o disco ajudou a expor a cena musical brasiliense, desviando ainda mais a atenção da mídia para fora do eixo Rio-São Paulo. O jornalista Alex Antunes – dublê de crítico e popstar – saudou Rumores como “a primeira coletânea honesta dos últimos tempos”. Em resenha feita para a revista Bizz, de novembro de 85, Antunes chama a atenção para pelo menos “duas bandas interessantes”: Escola e Finis Africae. Na primeira, o destaque é “para o guitarrista heavy metal Fejão temperando o som wave e o correto vocalista Bernardo”, ressalta. Segundo o crítico, o Finis é um caso à parte – “produz um som denso, com belas composições”.

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Detrito Federal

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Surgido em 1984, o Detrito Federal fazia, no início da carreira, o chamado punk clássico, na linha dos Sex Pistols, com guitarras cruas e bateria em quatro por quatro. A primeira formação da banda incluía Alexandre “Podrão” Veiga (vocal) ex-Anti-Tédio e ex-Subdivisão; João Bosco (guitarra) ex-Apocalixo; Mila Menezes (baixo) depois Volkana; e Paulo César Cascão (bateria) ex-Ratos de Brasília e ex-Arroto Provisório. Nesta fase inicial, as características principais do grupo eram a voz vomitada de Podrão aliado e as guitarras sujas.

O grupo participou do primeiro disco independente feito em Brasília na década de 80: a coletânea Rumores, lançada pelo Sebo do Disco, ao lado dos grupos Escola de Escândalo, Finis Africae e Elite Sofisticada. Dois punk-rocks estão registrados no disco: Desempregado e Fim de Semana. Lançado em 1985, o disco foi bem recebido por parte do público e chegou a circular no eixo Rio-São Paulo, recebendo menções honrosas em revistas especializadas.

Ainda em 1985, Mila deixa a banda junto com Bosco, sendo substituídos por Will Pontes e Paulinho. O grupo consegue maior projeção nacional quando a Rede Globo os convida a participar do extinto programa Mixto Quente, em janeiro de 1986, transmitido nos finais de semana para todo o país direto, das praias cariocas.

No início de 1986, um racha na banda leva Podrão a se desligar do grupo, passando a se dedicar ao seu novo projeto musical - BsB-H -, deixando a liderança para Cascão. O ex-vocalista acusa os antigos companheiros de se venderem para o sistema e trair a ideologia punk. Decidido a refazer o grupo, o baterista decide assumir os vocais e convoca Luciano Dobal para pegar nas baquetas. Paulinho também deixa a banda, assumindo o baixo Milton Medeiros.

Nessa época, o Detrito abre mão das posturas mais radicais e deixa de lado a atitude e o visual punks. Em declarações à imprensa da época, Cascão declara que o grupo está se abrindo para "um número maior de pessoas". Os quatro afirmam que têm gosto eclético, citando samba, reggae, bossa nova, rock e funk entre as novas influências. Os artistas preferidos são Sex Pistols, Bauhaus, Noel Rosa, Moreira da Silva e Paulinho da Viola. "Só não gostamos de um tipo de música: a ruim", afirma Cascão.

As letras, contudo, continuam tocando na questão social, falando de injustiça, política e repressão. Cascão declara que a banda estava ajudando a resgatar a verdadeira rebeldia no rock nacional, que até então se resumia "a subir a Rua Augusta a 120 por hora e fumar onde era proibido fumar". "O rock de Brasília é o mais politizado e o mais vinculado à realidade do país", declara em entrevista à Folha de S.Paulo.

No início de 1987, a banda muda mais uma vez de formação, com Cascão e Milton Medeiros continuando na ativa. Entram Si Young e Débora Darwich e Mauro Manzolli. Logo depois, a banda fecha contrato com a Polygram e grava o disco Vítimas do Milagre, produzido por Charles Gavin, baterista dos Titãs.

O álbum conta com a participação de convidados ilustres: a Plebe Rude faz côro na faixa Tá com nada – música de André X e antiga canção do repertório plebeu –, Marielle Loyola (ex-Escola de Escândalo e então no Arte no Escuro) e Jander Bilaphra (Plebe Rude) cantam em Vítimas do Milagre e o próprio Gavin toca bateria em algumas outras faixas.

O disco é bem recebido pelo público, embora seja visto como "irregular" pela crítica especializada. A faixa que puxa o disco é Se o tempo voltasse, mas a melhor é realmente Adolescência, letra do poeta curitibano Paulo Leminski, musicada por Cascão.

O álbum ganha uma capa inusitada, que brinca com um dos símbolos do poder republicano: um garoto sentado sobre a cúpula da Câmara dos Deputados, lendo um jornal, como se estivesse em uma privada. A banda chegaria ao auge de sua carreira nessa época.

Pouco tempo depois, o grupo seria desativado por Cascão, que o retomaria em meados de 1996 para a apresentação em shows por Brasília. O Detrito participaria em 1997 do disco Cult 22, coletânea lançada pelo selo independente brasiliense RVC para o aniversário do programa homônimo produzido por Marcos Pinheiro e Victor Ribeiro da Rádio Cultura de Brasília. No ano seguinte, a banda se apresentaria no Festival Abril Pro Rock, realizado em Recife.

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