radicaos
memórias em quatro acordes

Paralamas e o rock de Brasília

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Nos anos 80, um trio carioca mudou os rumos da cena musical brasileira. A receita: polaróides urbanas, pop com pitadas de reggae e ska, uma cozinha poderosa e um bandleader antenado. Pois é. Os Paralamas do Sucesso têm aquele algo mágico e carismático. São fundamentais na história da música brasileira. Mas, claro, também do rock brasiliense.

Herbert Vianna é o midas que acreditou, em primeiro plano, na cena musical de Brasília. E contribuiu para o boom do rock candango. Sem ele, dificilmente o Brasil teria conhecimento das bandas da cidade na década de 80 que elevaram a cidade à condição de Capital do Rock. Sem ele, ninguém saberia de quem eram clássicos como Veraneio Vascaína, Ainda é Cedo e Química.
As pérolas de Renato Russo foram cantadas pioneiramente por Herbert Vianna ainda em 1982, quando nem ele nem Russo sonhavam em construir a história do pop nacional.

Quando deixou Brasília, por volta de 1977, nem sonhava que dentro de cinco anos estaria pilotando um dos mais sólidos grupos de rock brasileiro. Os Paralamas nasceram em 1981, no Rio de Janeiro, de uma vontade louca de Herbert Vianna e Bi Ribeiro fazerem um som como alguns amigos de Brasília já estavam aprontando.

Ambos eram muito próximos havia anos. Bi, filho de diplomata, e Herbert, de militar, eram produtos genuínos da Brasília dos anos 70. Andavam juntos pelas superquadras da Asa Sul como todo moleque crescido entre os pilotis dos blocos brasilienses. Aquela mistura curiosa de tédio e tesão, comuns a uma geração inteira que não tinha muito o que fazer na cidade e que rendeu alguns clássicos do rock brasileiro.

Nessa época, alguns amigos também circulavam na turma – Dinho Ouro Preto e Dado Villa Lobos. “O Renato Russo a gente conhecia meio de vista, um amigo em comum falava sobre ele, que era um cara muito estranho, que não saía de casa”, disse Herbert ao jornalista Antonio Carlos Miguel, há exatamente há 18 anos.

Foi Herbert quem mostrou a Renato a primeira guitarra elétrica. “Fui lá na casa dele, mostrar uma Fender que eu tinha ganho do meu pai”, comentou. Uma guitarra preta. Herbert tinha 15 anos. O pai, Hermano, havia trazido a Fender de uma viagem aos Estados Unidos. Para quem não sabe, nesta época, a paixão pela guitarra só tinha paralelo ao amor pelo skate. Herbert foi campeão de free style.

A saída de Brasília mudou radicalmente a vida de Herbert. Acostumado do paradoxal provincianismo da cidade, o paralama-mor chegou ao Rio em 1977 e ralou muito para se acostumar à vida na velha capital. “Estava começando a tocar guitarra, ficava em casa o dia inteiro”, conta. “Em 1978, o Bi veio e aí começou realmente a tocar”. Segundo o baixista, o som não tinha nada de punk. “Tocávamos Hendrix, Clapton, Santana... Tudo sem bateria. Na casa da minha avó. Só baixo e guitarra e um amplificador”, rememora Bi.

A entrada de João Barone ocorreu em 1982, substituindo Vital – o famoso personagem da clássica Vital e Sua Moto. A banda se reunia muito na casa da avó de Bi (Vovó Ondina) para ensaios cada vez mais elétricos e interessantes.

Nessa época algumas das boas canções do grupo começaram a ganhar forma. É o caso de Vital, Patrulha Noturna e Encruzilhada, ainda chamada Encruzilhada Agroindustrial. E outras obscuras que se perderam, sem que ganhassem um registro oficial, como Solidariedade, Não!, Verão, Rodei de Novo e Mandinga de Amor.

A paixão pela guitarra, além do esmero e do esforço com que Herbert se entregava ao instrumento, sempre lhe rendeu elogios. “Ele tira qualquer música na guitarra. Até os solos mais complicados de Jimi Hendrix”, elogiou Renato Russo. “Perto dele, a gente (da Legião) não sabe tocar nada”, confessou.

Em 1982, a banda entregava uma primeira fita demo ao fotógrafo e programador de rádio Maurício Valladares. Vital e Sua Moto subiu direto para o top 10 da Rádio Fluminense, cuja existência na década de 80 foi fundamental para a consolidação do rock brasileiro. A banda tornou-se conhecida de todos no Rio. A música, que hoje soa até ingênua, foi a mais tocada pela Flu no verão de 1983.

Enquanto isso, na sala de Justiça...

Ou melhor, na capital, a moçada já estava mandando ver. A Plebe Rude era a banda mais importante da cena local, depois do desaparecimento do Aborto Elétrico. A Legião Urbana ainda estava montando seu território, junto com o Capital Inicial. O triunvirato do rock brasiliense se antenou para o que veio do Rio.

Em maio de 1983, os Paralamas gravam o single com Vital e Patrulha Noturna. Os amigos de Brasília não acreditavam. “Pô, se eles podem porque nós não podemos?”, questionava-se, incrédulo, Dinho Ouro Preto. “Se nós, que somos uns merdas gravamos...”, emendou Bi, entre risos, durante a gravação de um documentário produzido pela Conspiração Filmes, filmado, entre outras locações, na velha Brasília.

Herbert, Bi e Barone já tinham incorporado ao repertório dos Paralamas algumas canções de Russo das quais gostavam muito: Ainda é Cedo, Química e Veraneio Vascaína. O guitarrista fazia questão de falar sempre da cena brasiliense, chamando a atenção de jornalistas do eixo Rio-São Paulo para o que rolava na cidade.

Em junho de 1983, Hermano, irmão de Herbert, escreve uma reportagem sobre o rock brasiliense na extinta revista Mixtura Moderna, editada por Ana Maria Bahiana e José Emílio Rondeau, primeiro produtor da Legião. “Até a época da gente vir para o Rio, as bandas de Brasília eram imitações do rock brasileiro dos anos 70, do final do Terço, dos Mutantes... Uma coisa sem tesão. Com o pessoal ligado aos punks a cena passou a ser superestimulante. A gente começou a tocar muito em função disso também”, disse Herbert.

Em uma conversa comigo, durante as gravações do último disco da Plebe Rude - Enquanto a Trégua Não Vem -, o guitarrista dos Paralamas recordou-se de algumas das bandas que fizeram os anos 70 candangos menos irritantes, ainda mais em função dos ditadores de plantão. “Tinha muita banda legal, mas a maioria era aquela coisa viajandona”, comentou. “Tinha aqueles shows na Escola Parque sempre lotados”.

Ainda em 1983, no segundo semestre, os Paralamas tocam no Rockway 2 - um festival organizado pela produtora brasiliense Artway no Ginásio de Esportes. Nunca tinham vindo à cidade para tocar, mesmo depois que haviam gravado o single. O show foi bem recebido pelo público, mas de maneira curiosa. Como o festival era por demais eclético, ninguém sabia bem o que aqueles três estavam fazendo. O disco ainda não havia saído. É verdade que boa parte do público estava muito mais interessado em ver o Roupa Nova e a Cor do Som. Também haviam alguns metaleiros que foram curtir Robertinho do Recife. Detalhe: uma estreante Cássia Eller também se apresentou nesse festival, acompanhando como vocalista o grupo Malas & Bagagens.

Apesar da aparente indulgência do público, Herbert, Bi & Barone, não estavam nem aí. “Porra, viemos tocar em Brasília”, disse Herbert, ainda no Hotel Carlton, no centro de Brasília. No palco, entre fios e cabos, Dado Villa Lobos circulava como roadie. Durante a tarde do dia do show, num sábado de setembro, Bi e João foram para a casa de Renato Russo, saber o que o líder da Legião estava aprontando. São recebidos, junto com Fê Lemos e a namorada, Pedro Ribeiro - irmão de Bi, hoje produtor dos Paralamas - além de alguns outros poucos amigos.

Renato vibrou com os relatos de Bi sobre as gravações do primeiro disco. “Muito bom... Muito bom...”, repetia o vocalista da Legião. No disco, há uma parceria de Renato com Herbert e Barone: a singela balada O que eu não disse, que conta com a guitarra de Lulu Santos. E outro registro de um clássico do Aborto Elétrico: Química. Bi: “Ficou muito legal, Renato. Você vai gostar”. Renato vibrava, em meio aos discos distribuídos no quarto.

Alguns meses antes, Herbert tinha vindo a Brasília e chegou a assistir a um dos ensaios da Plebe, que dividia uma sala no Brasília Rádio Center junto com o Capital, o XXX e a Legião. Philippe Seabra, vocalista e guitarrista da Plebe, recorda-se de um pequeno incidente, que quase lhe rende problemas com o futuro padrinho e produtor. “O cara chegou com um bermudão, de óculos... Ficou no canto da sala, tirando uns solos de Eric Clapton. ‘Que porra é essa?’, eu pensei. A gente nem chegou a se falar, eu acho”, relembra. “Na semana seguinte, eu fui ligar o meu pedal flanger, modelo MXR, que ligava numa tomada e era 110 volts, só que aqui em Brasília a voltagem é 220 volts. E o pedal não funcionou. Eu pensei: ‘Pô, alguém queimou o meu pedal. Merda. Tem três pessoas que usaram a sala de ensaio’. Perguntei: ‘Quem foi?’ O Ico (Ouro Preto, ex-guitarrista das bandas Aborto Elétrico e Legião Urbana)’ falou que tinha sido o Herbert. Eu fiquei puto”.

Segundo Philippe, a história lhe trouxe problemas alguns meses depois. “Quando a Plebe foi ao Rio para tocar pela primeira vez, eu já tinha dito ‘fala praquele cara que ele queimou meu pedal’. Descemos para fazer o show com Plebe, Legião e Paralamas. Show antológico no Circo Voador. Quando chegamos lá no Circo para fazer a passagem de som, o Herbert, que é um cara meio largo, chegou para mim: ‘Que papo é esse de dizer por aí que eu queimei o seu pedal? Que papo é esse?’ Eu falei: ‘Não, não. Foi o Ico, foi o Ico’ (risos). E o Herbert: ‘Tá bem, tá bem...’ A gente passou o som, tocamos A Minha Renda. Na famosa passagem ("Já sei o que fazer para ganhar muita grana, vou mudar meu nome para Herbert Vianna"), o Herbert abriu um sorrisão e viu que o pessoal de Brasília tinha caráter... Ficamos amigos. Depois, ele acabou sendo nosso padrinho na EMI e, bem, o resto é história”.

Em janeiro de 1984, os Paralamas subiaram no palco do Rock in Rio, o primeiro festival de porte a acontecer no Brasil. Estrelas internacionais, como Queen, Nina Hagen e outros, chegaram ao país para tocar a uma platéia sedenta. Os Paralamas foram ovacionados. Muitos ensaios renderam ao trio a segurança necessária para tocar para uma platéia repleta de milhares de roqueiros enlouquecidos. O trio não só deu conta do recado, como encantou o Brasil. O segundo disco – O Passo do Lui - já havia saído. Óculos, o primeiro grande hit do grupo, estava estouradaça. “Mais do que a letra, a música era a época”, relatou Herbert, em 1991. Dali para a frente, o céu – e o mercado latino – eram o limite. “O Rock in Rio Foi a nossa consagração”, comentou Herbert, em entrevista concedida em 1994.

Em 1986, enquanto o país assistia indignado à degradação que havia chegado ao país com o mal-fadado Plano Cruzado, os Paralamas lançam Selvagem?, disco que tinha na capa o velho chapa Pedro Ribeiro e que trazia uma espécie de radiografia sócio-política do Brasil. O governo Sarney patinava, o Cruzado fazia água e ninguém sabia para onde a nação seguia. Herbert parecia seguro, ao cantar: "Alagados, Trenchtown/ Favela da Maré/ A esperança não vem..." O LP vendeu de 528 mil cópias. "Era o nosso recado", disse Herbert.

O resto é história.

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