Tellah - Os fundamentos do progressivo
Um feito e tanto para uma banda que encerrou suas atividades justamente quando acabara de lançar o disco em 1980. Três meses depois de Continente Perdido chegar às lojas da cidade e ocupar espaço nas rádios locais, o grupo resolveu pendurar os instrumentos. A verdade é que a própria banda não tinha maiores pretensões quando lançou o LP. Isso pode ser percebido pela prensagem do disco: precárias 1.000 cópias. A baixa tiragem, considerada irrisória hoje mesmo para uma banda de garagem, foi o bastante para manter vivo o mito em torno da banda.
O lendário grupo surgiu na cidade em 1974 e, ironicamente, jamais teve a chance de experimentar o gosto do sucesso quando o rock de Brasília ganhou fama no eixo Rio-São Paulo, em meados da década de 80. É bem verdade que o estilo diferia muito do que estava sendo feito na mesma época pela Turma da Colina, que optara por uma postura mais punk e rocks mais nervosos. Grupos como Aborto Elétrico, Blitx 64 e Metralhaz – antecessores da Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude – estavam começando a detonar suas guitarras toscas e letras de forte temática, que levariam seus integrantes ao auge do sucesso cinco anos depois, mas estavam anos-luz de distância dos músicos do Tellah.
Herdeira da vertente mais podicrê do rock brasileiro nos anos 70 – quando estavam no auge do "sucesso" (?!) as viajandonas O Terço, Vímana, Som Imaginário e Os Mutantes na fase pós-Arnaldo/Rita e tendo Sérgio Dias como band leader – a banda Tellah tinha grandes instrumentistas – Dênis Torre (bateria), Cláudio Felício (guitarra) e Marcone Barros (baixo) – e muitos admiradores confessos, como Renato Russo. "Eu pentelhava os caras, após suas apresentações", recordou o líder da Legião Urbana, quando já estava sentado sobre a própria fama e mais milhões de discos vendidos.
"Quando a gente se apresentava, o pessoal que depois foi da Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial era todo garoto", recordou o próprio Dênis Torre, na última entrevista concedida em 1992. "Acho que foi a primeira vez que vi um show de rock", relembra Philippe Seabra, guitarrista da Plebe Rude. "Tinha até o disco, que tinha uma entrada bem progressiva: tchan-tchanananan-tum- tum-dum-dum".
No show de lançamento do disco Continente Perdido, no final de 1980, em frente ao Cine Karim e à lanchonete Food’s – o mesmo point utilizado pela Blitx, Metralhaz e Aborto para propagar seus acordes nervosos na época – a moçada compareceu em massa, inclusive alguns personagens que viriam a integrar a nata da nova música brasileira pouco tempo depois. "Quem sabe não tenhamos motivado alguns deles?", declarou Dênis, anos depois.
A primeira formação do Tellah, em 1974, reunia Cláudio Felício, José Veríssimo (baixo) e Felipe Guedes (bateria), apontando o caminho que seria trilhado no primeiro e único disco da banda. Foi com essa formação que o Tellah chegou a montar uma peça de teatro, em 1977, chamada "O Cavalo de Guerra", em que também fizeram a trilha sonora. O trabalho ainda não era marcadamente progressivo, mas uma mistura de hard rock ao estilo do Deep Purple. Somente com a entrada de Marcone Barros, já em 1978, a banda evolui para o estilo que lhe renderia fama, com influências claras de grupos ingleses como Genesis e Yes, e o canadense Rush.
Em torno de 1979, o Tellah saiu em excursão pelo país, tocando com diversas bandas famosas no circuito roqueiro daqueles tempos. Foi nessa excursão que os três músicos puderam exibir para o resto do país o seu repertório, numa excursão em que compartilhavam do mesmo palco que bandas como O Bixo da Seda, O Terço, Mutantes, Rita Lee e Joelho de Porco. Nos dois anos seguintes, o Tellah se apresentaria consecutivamente no Festival Interno do Colégio Objetivo (Fico). Logo depois, trabalhariam nas bases daquele que seria o primeiro e derradeiro disco da banda.
Continente Perdido foi gravado entre abril e agosto de 1980, nos estúdios Cruzeiro do Sul, de oito canais, em São Paulo. A maior parte das músicas registradas no primeiro álbum era de autoria de Felício, Dênis e Marcone, embora as que chegaram a ser executadas nas rádios locais fossem canções de alguns amigos famosos: as baladas Tributo ao Sorriso, de Sérgio Hinds (Terço), e É melhor voar, de Jorge Amiden e Zé Rodrix (Sá, Guarabyra & Rodrix e, depois, Joelho de Porco).
Em 1984, o grupo se reuniu para uma única apresentação, realizada a convite de um shopping de Brasília, onde executaram todo o repertório do disco e incluíram algumas surpresas, como Caçador de Mim, de Sérgio Magrão, do grupo mineiro 14 Bis; e Visitante, de Jorge Amiden. As duas canções foram relançadas em CD.
Na época em que a banda encerrou suas atividades, nenhum dos três poderia imaginar que o álbum chegaria a ter vida própria ao longo da década de 90, sendo comercializado no mercado internacional por US$ 100 – UAUUU!!!
O responsável pelo relançamento em CD daquela que é hoje considerada uma obra-prima do progressivo brasileiro, e não deixa nada a deseja a de muitas bandas internacionais famosas, foi o empresário Márcio de Melo. Dono de uma loja especializada em rock progressivo em São Paulo, a Progressive Rock Worldwide, Melo teve acesso ao original em vinil quando fazia intercâmbio de outras raridades do gênero com aficcionados.
Entusiasmado com a (re)descoberta do disco, ainda em 1992 o empresário – também produtor – tentou motivar Dênis, Marco e Felício a retomar a banda e a lenda em torno da banda, sugerindo inclusive uma agenda de shows no exterior. A boa vontade, entretanto, esbarrou nos próprios integrantes. "Não há a menor possibilidade disso acontecer", descartou Dênis, que ainda trabalha com música, mas fora das luzes dos palcos.
Ele hoje é empresário em Brasília, trabalhando com a montagem de palco e fornecimento de equipamento profissional para a realização de shows. Foi sua empresa – a Intrumental Produções Musicais – que montou, por exemplo, o som para o histórico show da Legião Urbana no Estádio Mané Garrincha, na fatídica noite de 11 de julho de 1988. O sócio de Dênis na empresa é o baixista Marcone, que também largou definitivamente o instrumento.
Já o guitarrista Cláudio Felício, que até o início dos anos 90 ainda mantinha outra banda na ativa, a Beta Pictoris, também leva hoje uma vida longe dos palcos. Ele é fazendeiro em Formosa, município de Goiás distante cerca de 100 quilômetros de Brasília, mas volta e meia apresenta-se ao lado de amigos músicos da cidade, dando canjas na noite apenas por prazer.
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