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memórias em quatro acordes

Tellah - Os fundamentos do progressivo

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Qualquer roqueiro que viveu em Brasília em 1980 e fosse um pouco ligado à cena musical da cidade se surpreendeu com o lançamento naquele ano do álbum Continente Perdido, da banda de rock Tellah. O álbum – hoje uma raridade disputada a tapa em sebos de disco – jamais fez o sucesso que merecia, de acordo com parte da crítica especializada. Sequer foi notado pelo então incipiente mercado fonográfico de rock brasileiro, embora tenha sido relançado em CD já no início dos anos 90 e ganho o reconhecimento entre roqueiros da Europa e do Japão.

Um feito e tanto para uma banda que encerrou suas atividades justamente quando acabara de lançar o disco em 1980. Três meses depois de Continente Perdido chegar às lojas da cidade e ocupar espaço nas rádios locais, o grupo resolveu pendurar os instrumentos. A verdade é que a própria banda não tinha maiores pretensões quando lançou o LP. Isso pode ser percebido pela prensagem do disco: precárias 1.000 cópias. A baixa tiragem, considerada irrisória hoje mesmo para uma banda de garagem, foi o bastante para manter vivo o mito em torno da banda.

O lendário grupo surgiu na cidade em 1974 e, ironicamente, jamais teve a chance de experimentar o gosto do sucesso quando o rock de Brasília ganhou fama no eixo Rio-São Paulo, em meados da década de 80. É bem verdade que o estilo diferia muito do que estava sendo feito na mesma época pela Turma da Colina, que optara por uma postura mais punk e rocks mais nervosos. Grupos como Aborto Elétrico, Blitx 64 e Metralhaz – antecessores da Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude – estavam começando a detonar suas guitarras toscas e letras de forte temática, que levariam seus integrantes ao auge do sucesso cinco anos depois, mas estavam anos-luz de distância dos músicos do Tellah.

Herdeira da vertente mais podicrê do rock brasileiro nos anos 70 – quando estavam no auge do "sucesso" (?!) as viajandonas O Terço, Vímana, Som Imaginário e Os Mutantes na fase pós-Arnaldo/Rita e tendo Sérgio Dias como band leader – a banda Tellah tinha grandes instrumentistas – Dênis Torre (bateria), Cláudio Felício (guitarra) e Marcone Barros (baixo) – e muitos admiradores confessos, como Renato Russo. "Eu pentelhava os caras, após suas apresentações", recordou o líder da Legião Urbana, quando já estava sentado sobre a própria fama e mais milhões de discos vendidos.

"Quando a gente se apresentava, o pessoal que depois foi da Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial era todo garoto", recordou o próprio Dênis Torre, na última entrevista concedida em 1992. "Acho que foi a primeira vez que vi um show de rock", relembra Philippe Seabra, guitarrista da Plebe Rude. "Tinha até o disco, que tinha uma entrada bem progressiva: tchan-tchanananan-tum- tum-dum-dum".

No show de lançamento do disco Continente Perdido, no final de 1980, em frente ao Cine Karim e à lanchonete Food’s – o mesmo point utilizado pela Blitx, Metralhaz e Aborto para propagar seus acordes nervosos na época – a moçada compareceu em massa, inclusive alguns personagens que viriam a integrar a nata da nova música brasileira pouco tempo depois. "Quem sabe não tenhamos motivado alguns deles?", declarou Dênis, anos depois.

A primeira formação do Tellah, em 1974, reunia Cláudio Felício, José Veríssimo (baixo) e Felipe Guedes (bateria), apontando o caminho que seria trilhado no primeiro e único disco da banda. Foi com essa formação que o Tellah chegou a montar uma peça de teatro, em 1977, chamada "O Cavalo de Guerra", em que também fizeram a trilha sonora. O trabalho ainda não era marcadamente progressivo, mas uma mistura de hard rock ao estilo do Deep Purple. Somente com a entrada de Marcone Barros, já em 1978, a banda evolui para o estilo que lhe renderia fama, com influências claras de grupos ingleses como Genesis e Yes, e o canadense Rush.

Em torno de 1979, o Tellah saiu em excursão pelo país, tocando com diversas bandas famosas no circuito roqueiro daqueles tempos. Foi nessa excursão que os três músicos puderam exibir para o resto do país o seu repertório, numa excursão em que compartilhavam do mesmo palco que bandas como O Bixo da Seda, O Terço, Mutantes, Rita Lee e Joelho de Porco. Nos dois anos seguintes, o Tellah se apresentaria consecutivamente no Festival Interno do Colégio Objetivo (Fico). Logo depois, trabalhariam nas bases daquele que seria o primeiro e derradeiro disco da banda.

Continente Perdido foi gravado entre abril e agosto de 1980, nos estúdios Cruzeiro do Sul, de oito canais, em São Paulo. A maior parte das músicas registradas no primeiro álbum era de autoria de Felício, Dênis e Marcone, embora as que chegaram a ser executadas nas rádios locais fossem canções de alguns amigos famosos: as baladas Tributo ao Sorriso, de Sérgio Hinds (Terço), e É melhor voar, de Jorge Amiden e Zé Rodrix (Sá, Guarabyra & Rodrix e, depois, Joelho de Porco).

Em 1984, o grupo se reuniu para uma única apresentação, realizada a convite de um shopping de Brasília, onde executaram todo o repertório do disco e incluíram algumas surpresas, como Caçador de Mim, de Sérgio Magrão, do grupo mineiro 14 Bis; e Visitante, de Jorge Amiden. As duas canções foram relançadas em CD.

Na época em que a banda encerrou suas atividades, nenhum dos três poderia imaginar que o álbum chegaria a ter vida própria ao longo da década de 90, sendo comercializado no mercado internacional por US$ 100 – UAUUU!!!

O responsável pelo relançamento em CD daquela que é hoje considerada uma obra-prima do progressivo brasileiro, e não deixa nada a deseja a de muitas bandas internacionais famosas, foi o empresário Márcio de Melo. Dono de uma loja especializada em rock progressivo em São Paulo, a Progressive Rock Worldwide, Melo teve acesso ao original em vinil quando fazia intercâmbio de outras raridades do gênero com aficcionados.

Entusiasmado com a (re)descoberta do disco, ainda em 1992 o empresário – também produtor – tentou motivar Dênis, Marco e Felício a retomar a banda e a lenda em torno da banda, sugerindo inclusive uma agenda de shows no exterior. A boa vontade, entretanto, esbarrou nos próprios integrantes. "Não há a menor possibilidade disso acontecer", descartou Dênis, que ainda trabalha com música, mas fora das luzes dos palcos.

Ele hoje é empresário em Brasília, trabalhando com a montagem de palco e fornecimento de equipamento profissional para a realização de shows. Foi sua empresa – a Intrumental Produções Musicais – que montou, por exemplo, o som para o histórico show da Legião Urbana no Estádio Mané Garrincha, na fatídica noite de 11 de julho de 1988. O sócio de Dênis na empresa é o baixista Marcone, que também largou definitivamente o instrumento.

Já o guitarrista Cláudio Felício, que até o início dos anos 90 ainda mantinha outra banda na ativa, a Beta Pictoris, também leva hoje uma vida longe dos palcos. Ele é fazendeiro em Formosa, município de Goiás distante cerca de 100 quilômetros de Brasília, mas volta e meia apresenta-se ao lado de amigos músicos da cidade, dando canjas na noite apenas por prazer.

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